Quem poderia ser considerado "normal" naquele restaurante?
Dois garçons estavam conversando sobre isso e chegaram a conclusão de que havia gente "doida demais" naquele lugar. E, diante de tanta gente doida, Joãozinho e Piter (os dois garçons) resolveram verificar, empiricamente, sobre quem seria o "menos" doido. Deve ter alguém que poderia ser considerado "normal" naquele restaurante. Não é possível que todos sejam malucos.
Eles mesmos não se consideravam “normais” e, portanto, de cara já se excluíram da pesquisa. Decidiram, então, começar pela cozinha do restaurante e nada mais justo que a primeira pessoa fosse o chef di coisine Biba.
O líder da cozinha era o chefe Biba. Ele era homossexual. Bem, mas, o que há de errado com o fato de ele ser homossexual? Não havia erro nenhum nisso, segundo os dois garçons. Eram os anos de 1980 e, na concepção dos dois amigos, se alguém tinha coragem suficiente para "sair do armário" naquela época considerada tão machista, estava claro que esse alguém já não poderia ser considerado tão normal. A sociedade oprimia demais os gays, mas Biba não estava nem aí para isso. Ele sempre se dispôs a bater de frente contra o preconceito que as pessoas têm dos gays. Foi visto várias vezes discutindo por causa disso. Sempre ficava irado. Numa dessas crises de ira, baixou as calças e mostrou sua calcinha vermelha enfiada no rego da bunda à uma cliente assídua do restaurante, só porque ela foi reclamar ao gerente que o seu medalhão de frango estava mal passado. Não. Realmente o chefe de cozinha Biba não era normal.
Orlando, o segurança, também estaria longe de ser “normal”, na modesta opinião dos dois garçons. Na sexta-feira santa, ele bateu na cara da garçonete Sandra. É que ela o chamou de crente desviado. Orlando tinha dito que quem quisesse comer carne neste dia não estaria pecando de forma alguma, pois, segundo ele, comer carne não é pecado e nem nunca será. A garçonete insistiu que era pecado sim e que desde criança ela comia peixe na semana santa para não desonrar o corpo de Cristo que morreu na sexta-feira santa da paixão. Foi uma confusão dos diabos. Tanto Orlando, quanto a garçonete estariam de fora desse campeonato de pessoas “normais”. Sandra ainda tinha um agravante a mais ao diagnóstico positivo de sua insanidade, segundo os garçons. Eles se lembraram do dia em que a garçonete foi servir uma cerveja na mesa oito, mas a espuma começou a subir no copo. Quando percebeu que o copo iria transbordar, ela gritou para o cliente:
– Chupa, chupa, chupa, doutor!!!
O cliente olhou para a garçonete por cima dos óculos e pediu para chamar o maitre, enquanto a cerveja derramava na toalha inteira da mesa. Sandra era uma garçonete muito louca, segundo a dupla e foi eliminada do campeonato.
O maitre era o Paulo. Estava fora do concurso, também. Ele se aproveitava que os clientes japoneses não falavam português e os chamava de piauienses. Outro dia, enquanto servia o ban-chá, acidentalmente caiu no terno do cliente. O chá quente foi penetrando lentamente no tecido grosso do seu terno. Ao ver a trapalhada que fez, o maitre deu no pé e foi se esconder na cozinha. O chá foi passando as camadas do tecido do terno, perpassou a camisa e quando chegou na pele do ombro do cliente, ele deu um grito de dor tão alto que assustou a todos do restaurante. Rapidamente ele tirou o terno e a camisa, aos berros de dor. Foi parar na farmácia do andar térreo do prédio e teve queimadura de primeiro grau. O cliente nunca soube o que lhe ocasionou a queimadura. Só o maitre e os garçons sabem do episódio. Ele nunca mais serviu ban-chá no restaurante. Paulo também está fora do campeonato.
O maitre era o Paulo. Estava fora do concurso, também. Ele se aproveitava que os clientes japoneses não falavam português e os chamava de piauienses. Outro dia, enquanto servia o ban-chá, acidentalmente caiu no terno do cliente. O chá quente foi penetrando lentamente no tecido grosso do seu terno. Ao ver a trapalhada que fez, o maitre deu no pé e foi se esconder na cozinha. O chá foi passando as camadas do tecido do terno, perpassou a camisa e quando chegou na pele do ombro do cliente, ele deu um grito de dor tão alto que assustou a todos do restaurante. Rapidamente ele tirou o terno e a camisa, aos berros de dor. Foi parar na farmácia do andar térreo do prédio e teve queimadura de primeiro grau. O cliente nunca soube o que lhe ocasionou a queimadura. Só o maitre e os garçons sabem do episódio. Ele nunca mais serviu ban-chá no restaurante. Paulo também está fora do campeonato.
O garçom Emerson é um cara legal, mas será que ele pode ser considerado normal? É certo que não. Aconteceu algo com ele que, por decisão unânime, foi desclassificado do concurso. Um cliente pediu para ele servir vinho branco à sua namorada. Emerson se aproximou com o guardanapo em punho, pegou o vinho no balde de gelo, deu dois passos em direção a moça, mas notou que, atrás da mesa, bem rente com a parede, uma barata estava subindo. Ele parou o serviço e, enquanto o casal conversava, ele ficou pensando no que poderia fazer para se livrar daquela barata sem chamar a atenção do casal. Ele percebeu que a barata ficou paralisada por alguns segundos. Trocou o guardanapo de mão e quando ia jogá-lo em cima da barata, ela andou rapidamente em direção ao braço do cliente que teve uma reação inesperada. Ele, simplesmente, esmagou a barata na parede com um tapa. - Que nojo! – Gritou a moça. O garçom Emerson ficou tão nervoso que deixou cair tudo no chão. A garrafa de vinho branco, que estava quase cheia, quebrou em mil pedaços. Depois, ainda esbarrou no pedestal do balde cheio de gelo. Foi aquela lambança no restaurante. Gelo, água e vinho branco para tudo que é lado. Tudo isso aconteceu enquanto o cliente se dirigia ao banheiro para lavar a mão lambuzada de barata esmagada... Urgh!!! A namorada do cliente gritou:
- Que miséria foi essa, garçom? - Emerson está fora do campeonato.
- Que miséria foi essa, garçom? - Emerson está fora do campeonato.
Seu Dionísio, bem, todos sabiam que ele não era muito certo da bola. Ele congregava na Igreja Universal e, por qualquer motivo, dizia:
- Tá amarrado! Tá amarrado!
Outro dia, enquanto preparava a “mise in place” (dispor os objetos que utilizaria durante o expediente, como a arrumação de talheres de mesa, gelo, copos, toalhas, limão fatiado, galheteiros e etc.) ele estava tão em paz e em Espírito, como costumava dizer, que até cantava uma música gospel. Seu Dionísio estava feliz, pois, naquele dia, iria sair mais cedo. Ele havia trocado de horário com o outro garçom, o Sousa. Seu Dionísio era garçom do turno da noite, Sousa era do almoço, mas precisou desse horário para levar a esposa ao médico. Tudo caminhava perfeitamente bem com o seu Dionísio, até que, chegou o hora do garçom Sousa aparecer e nada de ele chegar. Seu Dionísio que, até aquele momento, estava em paz e em Espírito, foi se irritando e as horas iam passando e nada do garçom Sousa chegar para lhe render. O restaurante estava ficando mais cheio e começaram a chegar as reservas da tarde. Seu Dionísio começou a nadar. Também não teve tempo de reabastecer sua “mise in place”. Bastou um cliente lhe pedir gelo e limão para o seu Dionísio se desesperar de vez. É que ele teve que subir à cambuza para fatiar mais limões e completar a sua "mise in place. Arrumou caprichosamente as fatias no prato, colocou mais gelo no balde e já estava descendo as escadas, quando se atrapalhou no último degrau e caiu, lentamente, derrubando o prato com as fatias de limão e também o balde de gelo no chão. Levantou-se apressadamente e começou a gritar:
- Tá amarrado! Tá amarrado!
Sousa, o garçom que estava atrasado, entrou bem a tempo de ver o seu Dionísio gritando, "tá amarrado!", e, então, disse:
- Solta esses bichos, seu Dionísio, solta esses bichos! Quem sabe eles te ajudam a servir os clientes.
Seu Dionísio ficou tão bravo com o Sousa que pegou as fatias de limão e o balde de gelo e jogou em cima do garçom. Os dois ficaram batendo boca até a chegada do gerente que pediu para os dois parar com aquela discussão. Quando o seu Dionísio contou o fato ao gerente, os três tiveram uma crise de riso. Os clientes das reservas foram chegando ao restaurante e ninguém conseguia entender o porquê dos três rirem tanto. O cliente que havia pedido o gelo e limão, ficou bravo e foi embora sem nem pagar a conta. A despesa sobrou para o Seu Dionísio. Por fim, o gerente fez o estorno dos itens consumidos. Mas, por exclusão, Seu Dionísio, o garçom Sousa e o gerente também estavam descartados de serem pessoas “normais”. Inclusive foram eleitos os mais doidos daquela semana.
Eliézer também poderia ser descartado da lista dos "normais", apenas por ser professor de matemática. Alguém conhece um professor de matemática que não seja doido? Mas não era só por esse motivo que ele estava de fora do campeonato, não. É que, além de ele ser formado em matemática, trabalhava na cambuza do restaurante. Ele era lavador de louças. Em restaurantes de hotel, essa função é chamada de “steward”. Parece um nome bonito, mas o funcionário não faz mais nada do que lavar louças. Até aí tudo bem, pois não há nada errado em ser um lavador de louças. É uma profissão digna, como qualquer outra. O problema é que já tentaram promovê-lo de cargo, várias vezes, mas ele nunca quis aceitar. Alegava que o que gostava mesmo era de lavar panelas, pratos e talheres. Paciência, né? Poderia estar dando aula numa escola top da cidade, mas preferia lavar louças por um salário mínimo, mais as vantagens, é claro. Às vezes, quando a máquina de lavar louças falhava, ele jogava pratos na parede. Eliézer está fora do campeonato.
Laura era a recepcionista. Ela até poderia ser considerada uma pessoa normal, mas depois que conheceu o valet do estacionamento do hotel, ela nunca mais foi a mesma. Um dia foi flagrada, pelas câmeras do estacionamento, fazendo sexo oral no valet. Quase todos do hotel viram a gravação, mas ninguém teve coragem de mostrar para o diretor. Ele, certamente, a teria demitido. Depois, soube-se que o gerente de uma loja de conveniências do térreo fez chantagem com ela. Ele se aproveitou da pobre Laura que ficou com medo do tal vídeo vazar. Laura cedeu à chantagem do gerente. Não foi possível confirmar a verdade sobre isso, mas não demorou muito e Laura pediu demissão do hotel. Passados alguns meses, descobriu-se que ela estava grávida. Do valet? Uns dizem que a criança nasceu com a cara do gerente. O valet foi promovido a gerente da recepção. Que mundo machista, não?
E o chapeiro Pedro, será que ele era "normal"? Não. Ele nunca poderia ser classificado como “normal”, ao contrário. Pedro talvez fosse o mais maluco de todos. É que teve um dia que ele correu atrás de seu ajudante de chapa com uma enorme faca na mão só porque o seu time, o Cruzeiro, perdeu para o Corinthians. Se o ajudante não tivesse se trancado no banheiro, naquele dia teria acontecido uma desgraça no restaurante. Todos tinham medo do chapeiro Pedro. Teve uma vez que o Piter cumprimentou o chapeiro e perguntou sobre o seu time, o Cruzeiro. Pedro deu uma olhada para ele com aquele olhar de sobrancelha esquerda erguida. Piter ficou gélido. Saiu correndo para se trancar no banheiro. Deu o que fazer para tirá-lo de lá. O chapeiro Pedro era "treze". Fora!
Restava ainda uma pessoa. A dona Maria Helena. Ela trabalhava de caixa. Era, sem dúvida, uma mulher idônea e poderia ser considerada a pessoa mais “normal” do restaurante. Por que a dupla não pensou nela antes? Nunca ouviram nada que pudesse desabonar a sua sanidade mental. Mulher de fibra. Era desquitada, mas nunca deixou faltar nada para os seus dois filhos que já cursavam faculdade. Dona Maria Helena nunca aceitou nem a pensão do ex-marido. Ela dizia que conseguia dar conta de todas as despesas sozinha e, segundo ela, não queria depender de "macho" para nada nessa vida. Dona Maria Helena era uma ótima companhia também. Sempre tinha uma história "final feliz" para contar a todos. Nunca deu troco errado e sempre pagou em dia as caixinhas dos garçons que vinham embutidas nos cheques. Sim, isso mesmo. Dona Maria Helena era, sem dúvidas, a pessoa que poderia ser considerada pelos dois garçons como a mais “lúcida” daquele restaurante. Bateram o martelo na questão e desceram ao andar térreo para comprar uma caixa de bombom na tabacaria. Seria o prêmio que entregariam à dona Maria Helena por ela ter sido eleita como a pessoa mais “normal” que eles conheciam naquele restaurante. Como o elevador demorou a chegar, desconfiaram que estavam dando manutenção. Estavam com pressa de dar a notícia à dona Maria Helena, resolveram subir as escadas. O restaurante ficava no 2º andar, seria rápido o acesso.
Fazia calor naquele dia, pois era verão. O setor onde dona Maria Helena trabalhava era pequeno. Mal cabia ela sentada. Havia uma caixa registradora, duas gavetas abaixo da caixa que ela usava para por os cheques e as cédulas de dinheiro e os recibos dos cartões de crédito. As moedas, ela guardava em sacos plásticos separados por valor. Tinha um ventilador que tinha que estar sempre ligado, senão faltaria ar dentro do cubículo. Dona Maria Helena era muito caprichosa. Ela trabalhava nos dois períodos do restaurante. Almoço e jantar. Nunca se atrasou. Era sempre elogiada por todos.
Naquele horário que os dois garçons compraram os bombons, o restaurante ainda estava fechado. É que, após servirem o almoço para os hospedes, o restaurante fecha sempre às 15h30, e só retorna às 19h00 para servir o jantar. O restaurante fecha às 23h00. Depois disso, a cozinha fica atendendo o Room Service. Joãozinho e Piter estavam ansiosos para contar à dona Maria Helena sobre ela ser a pessoa mais “normal” do restaurante. Entraram no restaurante sorrindo e chamaram por dona Maria Helena, mas o que viram a seguir entrou para a história de suas vidas.
Dona Maria Helena só ficava no caixa se o ventilador estivesse funcionando, pois, realmente, era muito abafado aquele minúsculo espaço. O ventilador, que ficava no alto do armário, atrás dela, inexplicavelmente, estava desligado naquele momento. Dona Maria Helena era de baixa estatura. ela empurrou sua cadeira para frente do armário, esticou o braço e, mesmo assim, não conseguiu alcançar o botão do ventilador. Então começou a pular na cadeira para tentar alcançar no botão. Foi exatamente neste momento que os dois garçons entraram no restaurante, chamando por ela. Dona Maria Helena lhes respondia dando pulos na cadeira. Ao vê-la pulando na cadeira, do ponto de vista deles, não era possível ver o ventilador e a cena ficou muito engraçada, pois ele a chamavam:
- Dona Maria Helena? – E ela respondia:
- Fala meninos. – E pulava na cadeira.
- Dona Maria Helena? – E ela respondia:
- Fala meninos. – E dava outro pulo na cadeira. E assim, sucessivamente, foi acontecendo aquela cena bizarra...
E, enfim, Joãozinho e Piter voltaram rapidamente para o rol da recepção que dá acesso aos elevadores e riram, mas riram tanto, que já não se aguentavam mais em pé... Resolveram comer os bombons ali mesmo, no rol. Nunca, na vida, tinham visto uma cena tão engraçada como aquela. Passaram todo o intervalo rindo dos pulos que a dona Maria Helena dava na cadeira. Eles riram tanto e tão alto que chamaram a atenção de dona Maria Helena que foi ver o que estava acontecendo com aqueles dois. Até lhes pediu um bombom, mas como eles não conseguiam parar de rir, ela voltou irritada para o caixa dizendo que nunca tinha vista gente tão maluca como os dois garçons. Subiu na cadeira novamente e pulou mais umas doze vezes até, finalmente, conseguir alcançar o botão do ventilador. A dupla elegeu a dona Maria Helena como a pessoa mais louca do restaurante.
Será que existe alguém normal no planeta?
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Texto de Álvaro Pensativo
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