“A HISTÓRIA DAS MENTALIDADES”
(PHILIPPE ARIES)
RESENHA CRÍTICA
O texto “A história das mentalidades”, de
Philippe Aries, começa abordando duas interpretações sobre uma história de um
rei chamado Francisco I. Este rei, que havia passado a noite com sua amante e
precisava voltar ao seu castelo sem ser visto, mas ao passar em frente à
igreja, no momento que os sinos anunciavam hora da missa. Ele entrou para ouvir
e rezou como um homem pio. Seria ele um rei que agora estaria arrependido de
seus pecados ou era apenas um momento de contradição e logo voltaria a praticar
as suas traições noturnas com sua amante? Vai depender da historiografia para
ter um desfecho realmente histórico.
As emoções contraditórias não são toleradas
pela opinião comum. Outrora, esse fenômeno poderia ser completamente natural.
Mas quando vem seguido de opiniões, ora um historiador clássico exprimiria a
sua repugnância, por ser moralmente mais exigente ou, bem pago para escrever o
que a elite queria que fosse escrito, ora outro historiador das mentalidades
levaria em consideração fatores das ciências humanas, tais como: Economia,
Psicologia, Filosofia, Sociologia, Etnologia e Antropologia e, certamente
arrancaria depoimentos da esposa do rei que ficou aguardando-o no castelo, da
amante do rei que o viu indo embora da sua alcova, inclusive do padre que rezou
a missa que poderia ter trazido palavras que convertesse aquele coração em
trevas.
A “história das mentalidades” já nasceu com o
intuito de designar as atitudes mentais de uma sociedade, dos valores, dos
sentimentos, o imaginário, os medos, o que se considerava verdade, ou seja,
todas as atividades inconscientes de determinada época. São aqueles elementos
culturais e de pensamentos inseridos no cotidiano, que os indivíduos não
percebem. A “Escola dos Annales”, logo após a Primeira Guerra Mundial, onde os
historiadores pioneiros inspiradores procuravam pontuar as trocas entre a expressão
literária e o imaginário coletivo. Esses autores, como, Lucien Febvre, Marc
Bloch, Henri Pirenne, Albert Demangeon, Lucien Lévy-Bruhl, Maurice Hallbwachs e
outros, reconhecem que a história não é uma disciplina estanque, não é
limitada, ao contrário do que vinha sendo apresentado, então, para justificar
atividades conscientes e orientadas para a decisão política dos acontecimentos.
Huizinga declara que “até mesmo a ilusão na
qual viveram os contemporâneos da época tem um valor de verdade” na história e
não poderia ser considerada apenas uma faceta da história. O que, antes, era
contado somente sob a ótica das elites e suas instituições políticas,
econômicas, religiosas, que era denominado de a “história tradicional”,
torna-se agora, história social, e os historiadores passaram a se interessarem
pelas massas deixadas de lado pelos poderes e dominadas pelas elites. Esses
“rejeitados” agora eram objeto de estudo desses historiadores pioneiros para
reconhecerem forças reais e cientificamente comprovadas, onde, apesar de
anônimas, qualquer pessoa poderia se ver nos fatos acorridos e isso passou a
ser chamado desde aquela época de “história das mentalidades”.
Passados cinquenta anos dos “Annales”
descobriu-se que os fatos econômicos eram observáveis, pois tinha consequência
na vida de todos e por isso permitia uma leitura da vida cotidiana,
aproximando, assim, a história econômica da história psicológica. Os
historiadores franceses privilegiaram a história econômica, mas conservaram uma
história coletiva que permitia atingir a vida das massas e mantiveram firmes as
ideologias de seus pais fundadores dos Annales. Mas se sentiram tentados em
relacionar ao passado os interesses manifestas no presente, passíveis de
exagerar aspectos retrógrados, não científicos, viria reintroduzir os fenômenos
da mentalidade na grande problemática da história, surge a nova história
demográfica, onde, Jacques Dupaquier estudou de perto as relações entre a
população e os meios de subsistência, períodos de fome e as epidemias. Jean
Meuvret exerceu grande influência sobre os historiadores mais jovens e sua
maior preocupação era “não isolar os fenômenos socioeconômicos e demográficos”,
separando do contexto cultural. A história demográfica retiraria a nova
história das mentalidades do “impressionismo”, dando-lhe bases documentais,
exigido pela ampla interpretação que já não podia ser evitada. Assim, as
mentalidades surgiram ao término de uma análise das estatísticas demográficas,
pois também se pediam explicações psicológicas e antropológicas e a história
das mentalidades renasceria, pela segunda vez, graças à demografia histórica.
Com o desinteresse pelos temas demográficos
era necessário haver mudança da historiografia e a história das mentalidades,
vulgarmente chamada de “nova história” passou a ser um fenômeno significativo
da cultura contemporânea, pois vai além do nível restrito de especialistas e seduz um público bem mais amplo, pois
excitavam-lhes a curiosidade. A história pretendeu ser o denominador de todas
as ciências sociais ou humanas e as poucas interferências das ciência humanas
não explicam a grande mudança atual da historiografia, mas foi uma espécie de
divisor de águas que separa hoje, os antigos dos novos. Os jovens começaram a
ver o mundo com olhos diferentes de seus predecessores. Os historiadores
antigos valorizavam o passado como resultado de uma evolução programada. Os
novos historiadores, como o filósofo Michel Foucault, quis que sua obra fosse
uma história de reflexão filosófica e empírica sobre os poderes modernos e
popularizou a história das mentalidades, e assim como Edgar Morin, tinha como
preocupação constante, compreender melhor a passagem para a modernidade. E
surgem alguns exemplos dessas passagens para a modernidade com exemplos que
poderiam ser fundamentos do “imposto”, “tempo” (horas do dia), “perseguições
por bruxaria” reconhecida, assim, inclusive pelas autoridades, a presença de
Deus e do diabo no mundo. Perseguições que, inclusive, eram apoiadas pelo
Estado que não era laico. E a história da contracepção, onde nasce a história
da sexualidade e certamente não existiria sem a historiografia demográfica.
Todos esses exemplos mostram como o conceito
de “mentalidade” provoca dilatação do território da história e nada pode
escapar do observador social.
Outros historiadores vão surgindo e a
história vai sendo estudada, historiadores como, E. Le Roy Ladurie, Pierre
Nora, Nicole Castan, Yves Castan, Maurice Agulhon etc. A história busca a chave
das estratégias comunitárias, dos sistemas de valor, das organizações coletivas
de todas as condutas que constituem uma cultura rural ou urbana, popular ou
elitista, que outrora havia privilegiado apenas a França, pelas três gerações
dos Annales que hoje, seus pioneiros, teriam cem anos ou mais. Pretende-se,
então, a partir da geografia humana, chegar a história total de uma
historiografia inovadora para uma total compreensão que se faz referências
enigmáticas, problemáticas, com a intenção de descobrir ou compreender uma
diferença de duas culturas distanciadas no tempo. A diferença, então, se torna
a condição da particularidade e da inteligência da particularidade que separa
uma cultura da outra para lhe assegurar uma originalidade sempre na origem da
curiosidade do historiador e da sua percepção das diferenças. Sem a consciência
da modernidade, não haveria mais diferenças, nem história, nem permanências
seriam compreendidas.
A história das mentalidades não atuais,
talvez possa ser explicada por um grave acidente de nossa mentalidade atual. O
homem contemporâneo não está mais tão convencido da sua superioridade. Ele vê
culturas diferentes e igualmente interessantes. Hoje a pesquisa das diferenças
tem sua última palavra. Isso explica a transformação da historiografia que
permaneceu sem sair do lugar no limiar da história contemporânea, passou a
fazer reflexão do homem sobre o tempo de muitas semelhanças e diferenças
insuficientes para que houvesse avanço. Uma percepção ingênua, imediata,
permanece no único ponto de ancoragem do tempo, o presente. A aproximação do
presente e do passado não seria a única razão da história das mentalidades?
Indaga Philippe Aries. A história clássica privilegiava apenas a civilização
ocidental, havia recusa nas desigualdades das culturas políticas, religiosas e
econômicas de outras culturas. François Furet e Jacques Ozouf expressam que as
nossas culturas são frutos de mestiçagem e o ritmo, talvez, se deva aos
movimentos recíprocos do oral e do escrito e segue as confluências e as
divergências dessas correntes que nos leva à descoberta, em nossa cultura de
hoje a qual triunfa as racionalidades da escrita. Os historiadores falam em
“estrutura mental”, em “visão do mundo”, para nomear a totalidade psíquica que
é imposta aos contemporâneos sem que alguém perceba. Há uma busca de sabedorias
empíricas que regulam as relações familiares das coletividades humanas com cada
um de nós, com a natureza, a vida, a morte, Deus e o além.
COMENTÁRIO:
Um texto muito importante
para estudar a historiografia. A evolução desde quando começaram a escrever a
“história”, que antes era narrada, depois foi escrita apenas pelas elites mundiais,
que utilizavam não só o ponto de vista dos vencedores, dos conquistadores,
manipulando, assim, todas as informações que agora precisam passar pelo grifo
dos historiadores que transformaram a veracidade dos fatos históricos sob as
influências das ciências humanas.
Foi possível identificar, com esse texto, uma
verdadeira revolução investigativa e historiográfica. O que, antes, era contado
somente sob a ótica das elites e suas instituições políticas, econômicas,
religiosas, que era denominado de a “história tradicional”, torna-se agora,
história social, e os historiadores passaram a se interessarem pelas massas
deixadas de lado pelos poderes e dominadas pelas elites. Esses “rejeitados”
agora são objeto de estudo dos historiadores para investigarem a história,
onde, apesar de serem pessoas anônimas, qualquer um poderia se identificar com
os fatos acorridos. Seja bem vinda a “história das mentalidades” que certamente
ampliou os conhecimentos de todos, pois é percebido claramente que a história
precisa ser verdadeira e ter a participação de todos, pois todos são agentes
participativos da história e não somente as elites.
“Porque o meu povo se perde
por falta de conhecimento”. (Oséias 4:6)
Texto de Onofre W. Johnson
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