quinta-feira, 22 de outubro de 2015

MINHAS MEMÓRIAS

Memórias da minha infância...


Nos tempos de outrora, essa família foi muito unida. Havia um elo significativo de "dignidade caipira" mesclada com o desejo desenfreado de vencer na vida a todo custo. Diga-se que "vencer na vida" para o caipira é ter uma casa para morar, uma renda para manter as despesas mensais e só isso. Verdadeiramente, ninguém da família queria ser rico, apesar do pai ter jogado em loterias a vida inteira. A Telesena do Sílvio Santos era a sua favorita, mas nunca foi contemplado em loteria nenhuma. Ô falta de sorte!

As crianças...
Se alguma criança, por qualquer motivo, apanhasse na escola ou na rua, no dia seguinte estaria lá toda a família para defender o(a) filho(a) injustiçado(a). A mãe também ia, mas não ia de mãos vazias. Ela andava armada com uma bomba de bicicleta na cintura, debaixo da blusa. Quem poderia esquecer-se daquela faca comprida disfarçada de bomba de bicicleta? (rsrs)
Da. Palmira Rossi e Seu Gildo Purcino dos Santos

Nas brigas domésticas havia sempre os "chega pra lá" do véio Gildo e da dona Palmira e parecia que o mundo ia desabar sobre suas cabeças, mas depois ficava tudo bem resolvido entre o casal. Jamais houve separação entre eles, apesar das ameaças que a mãe, às vezes, fazia para chantagear o véio Gildo. Ela dizia: 
- Um dia eu vou fazer igual ao meu tio Nuno. Vou fingir que vou ali, comprar cigarro e nunca mais volto para a casa!
O casal chegou à São Paulo na década de 1960, e foi morar numa casa alugada lá na Rua João Vieira Prioste, no bairro da Vila Carrão, Zona Leste da cidade de São Paulo. Depois deles, outros casais também vieram. Eram seus parentes, amigos e conhecidos oriundos do Paraná. Eles vinham para tentar melhorar de vida. Alguns vinham só de “mala e cuia”, outros já tinham suas crianças, todas bem pequenas. O motivo de suas vindas era o clássico: "Fuga dos trabalhos exaustivos nas roças por preço de banana". Os fazendeiros, do interior do país, pagam pouco para os seus empregados até o dia de hoje.

O segundo casal a chegar foi a Tia Dirce e o tio Demir, depois vieram os outros, como o tio Mingo e tia Edna, o vô João Purcino e a vó Luzia Chagas, tio Guete e tia Elza, tio Nardo e tia Lena, o saudoso tio Chico Prado e a tia Geralda. O vô Ermelino Rossi e a vó Dolores Galindo precisaram vir, urgentemente, pois uma tempestade destruiu a casa da família. Nessa época o pai já havia comprado um terreno. O vô Ermelino mandou um dinheiro para construir em seu quintal. Essas famílias viajavam como podiam, com ou sem dinheiro. Todos os casais vieram em épocas separadas e hospedavam-se na casa do casal, até alugarem suas casas e seguirem seus destinos. Nessa época, o casal já tinha três filhos e dormiam numa cama de casal, enquanto a mãe e o pai dormiam na outra cama, todos no mesmo quanto. Os outros parentes, muitos deles dormiram em estrados construídos em cima da oficina de bolinha de natal. Durante o dia, fazia um calor insuportável por causa do fogo dos maçaricos utilizados para derreter as varas de vidro, matéria prima das bolinhas de natal. Apesar do calor insuportável, era assim que as famílias se ajudavam. Era preciso dar espaço temporário para os migrantes sonhadores que vinham do interior do Paraná para tentar uma mudança de vida na cidade grande...
Ninguém se queixa desse período, não. Muito pelo contrário. Sentem saudades dessa época! Era um começo duro para todos, pois ficavam apertados, dormindo como podiam, mas depois alçaram longos voos por conta própria e hoje, a maioria daqueles casais estão bem estruturados na vida.
Apesar das crianças, nunca ter tido uma cama só para elas. Não eram infelizes. Foram ter a primeira cama quando tinham mais de dezoito anos de idade. A primeira cama a gente nunca esquece! Todos sentem saudades desse tempo e dos sonhos que tiveram e realizaram com muita dificuldade, mas valeu a pena... 

Desemprego...
Quantas e quantas vezes superaram o desemprego? Várias vezes. Teve uma época que pai largou o seu emprego de propósito. Era aquele da empresa de chuveiros Lorenzetti. Ele saiu de lá justamente para montar a tal oficina de bolinhas de natal com o dinheiro da indenização. Trabalhou por mais de dez anos naquela oficina. Depois, vendeu a casa para voltar ao Paraná. Sempre tem a viagem de retorno na vida de um caipira, mesmo que seja para quebrar a cara, não é verdade? Na volta ao Paraná, o casal foi trabalhar de mascate (Que fracasso!). Uma Brasília branca e muitas peças de roupas foram adquiridas com o dinheiro da venda da casa de São Paulo. Foram mascatear roupas nos povoados de Cianorte e região. Venderam tanto fiado, mas na hora de receber, cadê o dinheiro da venda? Esse povo trabalhava na roça só tinha dinheiro na época das colheitas. Depois do prejuízo, o mascate virou entregador de barcos da Marreco do Brasil. Também fracassou... O dinheiro da venda da casa começou a esvair-se por entre os dedos, como areia do mar, dia após dia o dinheiro ia diminuindo até que acabou. O jeito foi voltar à cidade de São Paulo novamente.

Volta à São Paulo...
Graças aos contatos antigos que manteve, a família montou uma nova oficina de bolinhas de natal. E assim, pôde voltar a sonhar novamente com essa nova chance de mudança de vida. O caipira Gildo até na sauna (banho turco) foi trabalhar, coitado. Depois disso, o seu genro arranjou-lhe emprego de vigia na Construtora em que trabalhava. Anos mais tarde, foi trabalhar na casa de uma senhora grã-fina lá no bairro dos Jardins, Zona Sul da capital paulista. O pai e a mãe saíram daquele lugar humilhados... O véio Gildo jamais baixaria a crista de caipira justiceiro para quem quer que seja, Num momento de raiva por causa de humilhação, mandou a madame às favas. Depois disso, foram morar com a filha em Curitiba. Anos mais tarde foram morar em São Roque, depois em Sorocaba. Foi nesta última cidade que o pai viveu seus últimos dias. O caipira véio Gildo, que agora era aposentado, morreu de câncer e a saudade não tem mais fim...
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Escrito por Álvaro Pensativo

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