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"Historinha de terror"
Era uma vez um menino chamado Joãozinho. Ele tinha oito anos, mas apesar da pouca idade, sua mãe já lhe dava pequenas tarefas. Ela precisava de mistura para o jantar e, então, pediu que o filho fosse até o açougue comprar carne. Joãozinho, prontamente, pegou o dinheiro e, como o açougue ficava depois do final da rua, próximo ao cemitério, ele resolveu ir de skate, fazendo firulas pela rua nessa aventura, rumo ao açougue. E ao passar por um terreno baldio, avistou alguns coleguinhas brincando de bolinha de gude. Eles chamaram o Joãozinho, desafiando-o a jogar, mas como Joãozinho não tinha nenhuma bolinha, foi escapando e dizendo a todos que precisava ir ao açougue a pedido da mãe. Neste momento, o grandalhão Laércio zombou de Joãozinho, com um canto provocador:
– “O Joãozinho está com medo, cagou no dedo, pediu um pano pra limpar o dedo!” – E todos passaram a provocá-lo com o mesmo refrão:
– “O Joãozinho está com medo, cagou no dedo, pediu um pano pra limpar o dedo!” – O garoto ficou irado e por impulso, foi até a vendinha e gastou todo o dinheiro da carne comprando bolinhas de gude. Aproximou-se do grandalhão Laércio e lhe disse:
– “Quem está com medo? - Vou rapelar todas as suas bolinhas, seu grandão bobo!”. Todos riram de Joãozinho. As torcidas foram se dividindo ao redor dos dois gladiadores mirins. Laércio desenhou um espaçoso triângulo no chão arenoso. Ambos casaram ali todas as bolinhas que possuíam. Ao ver o triângulo cheio de bolinhas de gude, Laércio sorriu entusiasmado. Esticou o braço para o alto e pediu par. Joãozinho, sem piscar, pediu impar. Colocaram os dedos e deu par. Laércio sorriu mais uma vez e disse para o Joãozinho:
– "Vamos ver quem é que vai rapelar quem, seu otário!" - Deu cinco passos para trás, se agachou, e com a mão esquerda estendida, formou um palmo rente ao chão, pegou sua bolinha da sorte que estava no boné e deu outro sorriso. Era um boticão branco que ele usava apenas em momentos especiais, e este era, sem dúvida, um momento para lá de especial. Encaixou o boticão branco entre o indicador e o polegar da mão direita, e, com um golpe de mestre, deu uma bela estecada em direção ao triângulo repleto de bolinhas coloridas. O impacto foi tão forte que todas as bolinhas que estavam dentro do triângulo foram arremessadas para fora, deixando o triângulo completamente vazio. As crianças vibraram com essa super estecada de Laércio. Joãozinho não estava acreditando no que estava vendo. Demorou a perceber que só havia uma única chance para poder recuperar tudo o que havia perdido: Segundo a regra, ele precisava acertar o boticão branco do Laércio que, com a força do arremesso e do impacto nas bolinhas, foi parar do outro lado do terreno baldio. Joãozinho pegou a sua bolinha top que também guardava no boné, se agachou, esticou o braço, fechou um olho, espalmou sua mão no chão e mirou no boticão branco e arremessou... Uau! Todos disseram. Mas além de Joãozinho errar o alvo, ainda viu sua bolinha top cair no bueiro. Laércio tirou sua camisa e, com ela, fez uma espécie de sacola, colocou todas as bolinhas dentro e foi embora, dizendo que estava atendendo ao pedido da mãe que já o havia chamado três vezes para tomar banho. Todos ficam esperando uma reação violenta de Joãozinho, mas o menino apenas ficou com cara de tacho.
“E Agora, Joãozinho? Sem bolinha e sem dinheiro. Como vai fazer para comprar a carne? Se, pelo menos você tivesse vencido a peleja. Era só vender as bolinhas que recuperaria o dinheiro. Porém, havia perdido tudo!”
Oscar, um dos meninos presentes, sugeriu:
– Porque você não vai ao cemitério e rouba carne de defunto? Todos riram disso, mas saíram correndo, achando que Joãozinho fosse ter uma reação violenta e bater neles. Joãozinho, simplesmente, ficou paralisado.
– “Roubar carne no cemitério? Que loucura!” – Pensava Joãozinho, enquanto se abaixava para pegar o seu skate.
Ao se aproximar do final da rua, avistou o cemitério. Parou em frente e olhou lá para dentro. Fitou uma belíssima catatumba revestida de mármore marrom. Entrou pelos portões do cemitério e percebeu que fazia um silêncio incrível. Não tinha ninguém naquele lugar. Joãozinho forçou a tampa da catatumba marrom e percebeu que era leve. Conforme a tampa se abria, ouvia-se um som lento e sinistro similar ao de porta de ferro enferrujada quando range:
– “Nheeeec!” – Joãozinho ficou tão assustado com aquele ruído, que queria sair dali rapidamente. Enfiou a mão pela abertura da sepultura e lá de dentro do caixão, arrancou uma peça de carne. Puxou a tampa de volta e ouviu-se o mesmo ruído lento e sinistro:
– “Nheeeec!”
Joãozinho encontrou um jornal caído ali no chão da portaria, pegou duas folhas e embrulhou a peça de carne de defunto nelas. Botou o embrulho debaixo do braço e, quase sem respirar, subiu a rua do cemitério apressadamente.
Ao chegar a sua casa, entregou o embrulho para a mãe, que lhe perguntou porque ele havia demorado tanto. Joãozinho deu de ombros e falou que havia encontrado alguns amigos e parou para brincar de skate com eles.
Na hora do jantar, Joãozinho só quis comer arroz, feijão e salada de batatas. Sua mãe insistiu para ele comer carne, mas ele não quis. Disse que estava sem fome. Pediu licença a todos e, após escovar os dentes, foi para o seu quarto. Sua mãe foi até lá, querendo saber o que estava acontecendo com o menino, pois sempre era ele o que mais comia carne. Joãozinho apenas disse que estava com sono. Sua mãe consentiu e lhe deu um beijo de boa noite, deixando-o a sós.
Naquela noite, Joãozinho demorou à pegar no sono, pois ficou pensando no quanto havia sido irresponsável:
– “Que loucura foi essa que eu fiz? E ainda deixei a família comer carne de defunto!" Eu vou pro inferno!
Já era bem tarde e Joãozinho não havia conseguido dormir ainda. Resolveu ir na cozinha tomar água. Todos já estavam dormindo, Joãozinho não acendeu as luzes para não incomodar. Caminhou tateando as paredes, por causa do escuro e localizou a geladeira próxima a pia. Mas quando abriu a porta da geladeira, ouviu um ruído similar ao que havia ouvido na tampa da catatumba:
– “Nheeeec!” - Fechou a porta da geladeira rapidamente e, sem tomar água, saiu correndo de volta para o seu quarto. Deitou na cama e cobriu a cabeça, ficou bem quietinho e com um medo terrível. E fazia tanto silêncio que dava para ouvir até os ruídos mais baixos da vizinhança... Dava para ouvir o tic tac do relógio da praça, o pio de uma coruja na árvore do outro lado da rua, o som distante de um cachorro uivando para a lua, o miado do gato da vizinha, mas quando estava quase agarrando no sono, repentinamente, foi surpreendido por uma voz sussurrante:
– “Joãozinho me dá a minha perna!” - Aterrorizado, Joãozinho cobriu a cabeça. Fazia calor e Joãozinho suava mais do que cuscuz marroquino. Sem conseguir acreditar, ele ouviu novamente aquele sussurro aterrorizante:
– “Joãozinho me dá a minha perna, já estou saindo do cemitério, Joãozinho”. – “Isso não pode estar acontecendo!” – Pensava Joãozinho, debaixo do cobertor.
– “Joãozinho me dá a minha perna, já estou chegando na rua da sua casa, Joãozinho”. - Agora o pânico tomou conta daquela criança. O seu suor encharcou todo o lençol e também molhou toda a superfície da cama. Agora já podia ouvir aquela voz nitidamente que, bem pertinho, lhe dizia:
– “Joãozinho me dá a minha perna, já estou chegando na rua da sua casa, Joãozinho”. - Agora o pânico tomou conta daquela criança. O seu suor encharcou todo o lençol e também molhou toda a superfície da cama. Agora já podia ouvir aquela voz nitidamente que, bem pertinho, lhe dizia:
– “Joãozinho me dá a minha perna, já estou em frente à sua casa, Joãozinho” – Apavoradíssimo, Joãozinho puxou mais um cobertor para cima dele, aumentando ainda mais o calor que antes já estava insuportável. E a voz insistia, copiosamente:
– “Joãozinho me dá a minha perna, já estou na porta do seu quarto, Joãozinho”. - Ele já podia ouvir o fantasma pulando numa perna só em sua direção, mas Joãozinho, em estado de choque, não conseguia nem gritar. Ele estava paralisado de tanto terror.
– “Joãozinho me dá a minha perna, já estou em frente à sua cama, Joãozinho”.
Joãozinho, não suportava mais de tanto medo e calor, então resolveu puxar uma beiradinha do cobertor e dar uma olhadinha para o fantasma, mas quando fitou na escuridão do quarto: – “Nhaaac!!!” – Ele deixou para trás aquele horror e despertou... Era um pesadelo.
Rapidamente tirou todas as cobertas de cima de si e agora podia respirar aliviadamente:
– “Ufa! Mas que pesadelo horrível!” - constatou Joãozinho. Lembrou-se de que ainda precisava ir à cozinha para tomar água, pois, naquela outra hora, Joãozinho cagou no dedo de tanto medo e não havia bebido água. Estava mesmo varado de sede. Ao por o seu pé no chão, tentou levantar-se, mas percebeu que tinha apenas uma perna. E, naquele exato momento, ao longe, lá no cemitério, pode-se ouvir aquele mesmo ruído assustador: – “Nheeeec!” - Era o barulho da tampa da catatumba que se fechava após o defunto.
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Texto de Álvaro Pensativo
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