sábado, 14 de janeiro de 2017

LOUÇA LAVADA

Itamar havia saído a pé para passear pelo bairro, com seu filho de colo e passou em frente a um condomínio onde estava acontecendo uma festa muito rica. Ao atravessar a rua, percebeu que haviam objetos caídos no gramado do jardim, em frente ao estacionamento e começou a saqueá-los, pois, em sua opinião, estavam dando sopa e se ele não levasse os objetos, certamente apareceria alguém e os levaria em seu lugar. Eram talheres e pareciam ser de prata. Devem ter caído do faqueiro, enquanto alguém do buffet o transportava e ainda estavam ali, porque, talvez, nem repararam no sumiço das peças. 

Itamar quase morreu de vergonha ao reconhecer a garçonete que o olhava pela janela. Era Luísa, uma antiga amiga dos tempos do ginásio. Ao vê-lo agachado, ela percebeu que o amigo ficou constrangido por ter sido pego roubando os objetos, mas sentiu pena dele e fez sinal para aguardá-la, enquanto ela ia lá dentro pegar algumas coisas para ele. E após alguns minutos, Luísa reapareceu carregando consigo uma cesta grande e farta e disse que ele poderia levar para casa, pois já havia pedido o consentimento do seu noivo que era um dos proprietários do buffet. Itamar abriu a caixa e enfiou os objetos roubados dentro dela, enquanto Luísa foi atender os convidados da festa. Itamar percebeu que não ia conseguir carregar a criança e a caixa ao mesmo tempo. A amiga resolveu ajudá-lo, mas só conseguiu levar a cesta até a ponta da rua, e voltou correndo para a festa. Itamar se distraiu por alguns instantes com o filho e, quando olhou para a esquina, notou que a cesta simplesmente havia desaparecido. Olhou para os lados e viu um senhor negro carregando a caixa apressadamente em direção à favela. Itamar levantou do chão e correu atrás dele gritando, pega ladrão! Ao ouvir os gritos, o senhor acelerou mais ainda o passo, mas Itamar não desistiu e correu em sua direção até alcançá-lo. Agarrou-o pelo pescoço, houve luta e eles caíram, a caixa abriu e as coisas da cesta espalharam-se pelo chão da favela. Foi aí que Itamar percebeu que não se tratava da mesma caixa. 

- Cadê os talheres de prata?

Aquele bom senhor explicou-lhe que, na verdade, estava levando a cesta para um amigo da sua igreja. O irmão havia perdido o emprego, há seis meses e estava passando por necessidades. Itamar só acreditou naquele homem, quando ele mostrou o cupom fiscal do supermercado. Itamar ficou derrotado de vergonha e não sabia o que dizer ao senhor negro. Pediu perdão e, com certeza, foi perdoado. 

- O meu filho - Que loucura! – Lembrou-se de que, inconsequentemente, havia deixado o menino na calçada para perseguir aquele senhor negro. 

- Cadê ele? Alguém viu? – Procurou, procurou, e procurou tanto. Ninguém viu a criança. Voltou arrasado ao local da festa rica e, qual foi a surpresa  e alívio, o seu filho estava lá com a amiga de infância.

- Luísa, eu estava desesperado! A amiga o fez entrar e explicou-lhe que agora a criança estava bem, mas havia chorado bastante antes de ser encontrada sozinha. Itamar não conseguia parar de chorar. Os garçons tentaram acalmá-lo e lhe serviram um copo d'água com açúcar. A amiga havia dado um banho na criança para acalmá-la, depois serviu-lhe leite com algumas bolachas recheadas. O pequeno adormeceu de tristeza...


imagem da internet

Itamar abraçou e beijou tanto o seu filho adormecido e depois chorou ainda mais, arrependido da loucura cega de ter deixado o seu filho ali na calçada. Teve pressa, pois se lembrou que já havia passado muito tempo. Tentou sair dali, mas os garçons haviam trancado as portas e disseram que ele só poderia sair em segurança dali, após lavar toda louça da festa que, a essas alturas, já havia terminado. Itamar disse que não ia lavar coisíssima nenhuma. Disse que precisava ir embora urgente. Eles não permitiram e ameaçaram-no. Itamar não teve como continuar a dizer não, e então, submeteu-se. Após terminar de lavar toda a louça, pegou o seu filho da cama e, mesmo com o pequeno ainda dormindo, foi embora, com muita raiva. 

Ao chegar em casa, as luzes estavam apagadas, pois já era tarde. Abriu o portão e sem fazer barulho, começou a tatear o muro para se manter na direção da porta. Ao acender a luz da área, lá estava ela. A cesta. Entrou em casa e colocou o seu filho no berço. Voltou para a área e conferiu a caixa. Após constatar que se tratava da mesma cesta, pois os talheres de prata estavam todos lá. Caiu em prantos...

Quando Luísa percebeu que não seria possível para ela carregar a cesta até a casa de Itamar, ela deixou a caixa na ponta da rua e voltou para a festa, mas pediu para um dos garçons entregar de moto a caixa no endereço do amigo. Itamar não tinha visto o motoqueiro retirar a cesta da esquina e correu atrás de uma pessoa completamente inocente só porque carregava uma caixa similar. 

Itamar, ainda em prantos, caiu em si e constatou que o verdadeiro ladrão era ele próprio e se sentiu um grande cocô. E, agora, completamente arrependido, recolheu todos os talheres de prata da cesta e, após avisar a esposa da decisão que havia tomado, retornou ao condomínio. Ele devolveu todos os talheres de prata ao proprietário do buffet e lhe pediu perdão por tê-los roubado. Luísa, a amiga, o abraçou e disse que tinha visto ele colocar os talheres na caixa. Ela havia contado apenas para os garçons. Foi por isso que eles o obrigaram a lavar toda a louça. Itamar voltou para a casa, pegou aquela cesta grande e farta e a levou de presente para o amigo desempregado daquele senhor negro que ele havia perseguido injustamente. O homem juntou seus quatro filhos e a esposa e, de forma solene, agradeceu a Deus pelo gesto de Itamar. Depois orou, pedindo a Deus que derramasse bênçãos sem medida sobre a vida de Itamar. 
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Texto de Álvaro Pensativo

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