Não, definitivamente, aquele não era o melhor dia da professora Clarice. Ela teve problemas com o seu bilhete único e precisou pagar pelas três conduções até chegar à escola, para trabalhar. Normalmente pagaria apenas por uma passagem e utilizaria as integrações. Clarice estava atrasada, pois, nas primeiras horas da manhã daquele dia chuvoso, teve a sua rua invadida pelas águas da atípica enchente ocasionada pelas chuvas de março, e passou a madrugada inteira tentando tirar a água barrenta do seu quintal.
Luis sempre desafiava a professora, mas, naquela manhã, ele estava se superando e tudo que ela dizia, recebia de volta um arremedo do aluno rebelde. Luis tem onze anos e reside num abrigo da prefeitura. Foi afastado de seus pais pelo Conselho Tutelar. Alegaram abandono e violência familiar. Sabe-se que o pai está preso por tráfico de drogas e a mãe, bem, a mãe vive pelas ruas pedindo cachaça para qualquer um que queira doar.
- Luis, - Indagou a professora - se você trouxe a sua lição de casa pode entregá-la, agora, está bem? - O menino retrucou arremedando a professora em cada palavra dita por ela:
- "Luis, você fez a tarefa de casa, nã, nã, nã nã nã?"
- Pare de repetir as minhas falas, menino!
- "Pare de imitar as minhas falas... lã, lã, lã, lã, lã!" - Arremedou o aluno, mas agora com a língua de fora.
Aquilo foi torrando a paciência, já abalroada pela manhã terrível que teve. Ela pediu para o outro aluno, o Leandro, ir chamar o inspetor João para auxiliá-la com a rebeldia do menino Luis. Quem sabe levando-o até a diretora. Ela poderia tentar acalmá-lo...
Ao chegar à sala, o inspetor João bateu na porta. Só ouviu um som de vidros se quebrando lá dentro. Como tinha a chave da porta, abriu-a. E o que o inspetor viu a seguir, deixou-o completamente surpreso.
Vale lembrar que, minutos antes do inspetor João chegar, a professora havia ralhado com o aluno Luis por ele arremedar as suas falas provocando risos por todos da sala. Mas, enquanto o aluno Leandro fora chamar o inspetor, Luis irritou-se ao extremo com esse pedido da professora e jogou o seu caderno em direção a ela. O caderno passou pertinho da cabeça da professora Clarice, mas caiu no chão há uns dois metros dela. Em resposta ao ato do aluno, ela bateu com força o seu apagador por várias vezes na mesa, fazendo um barulho ensurdecedor. Todos os alunos ficaram assustados com essas batidas. Luis pegou sua cadeira e jogou-a no canto de um armário que havia atrás dele. A professora, irada, jogou a sua cadeira no mesmo lugar, como resposta. Luiz treplicou jogando a sua carteira com toda a sua força na parede. A força foi tão grande que, quando ela bateu no chão, quebrou uma perna que se soltou e foi parar na vidraça da janela. Foi neste momento que o inspetor João ouviu o barulho de vidro se estilhaçando e, logo em seguida, entrou na sala.
Ao ver o inspetor João, o aluno Luis não se intimidou de forma nenhuma. E lançou uma outra cadeira em direção ao funcionário que se abaixou, vendo a cadeira passar bem perto da sua orelha esquerda. A professora jogou a sua mesa ao chão e como era uma mesa pesada, ela partiu o seu tampão em vários partes e tudo que estava dentro das duas gavetas espalhou-se pelo chão. As crianças agora gritavam assustadas com todo aquele alvoroço. Eram vistas coisas voando pela sala inteira, de um lado para o outro. Neste momento, o inspetor começou a retirar as crianças para fora da sala, pois o clima estava realmente muito tenso. Todos os alunos estavam atônitos e conseguiram sair rapidamente, ficando sob a proteção do inspetor, do lado de fora da sala, no corredor.
O aluno Luis não parava e, acometido de grande ira, jogou outra cadeira, mas esta, agora, em direção à professora, que conseguiu desviar-se. Por um triz aquela cadeira não atingiu a professora Clarice. Luis e a professora estavam completamente transtornados um com o outro. Luís agora começou a jogar mochilas, cadernos, estojos, réguas e tudo o que via pela frente ia parar em cima da professora, que retribuia cada gesto da criança. Mas agora, ela jogava um objeto ao chão, Luis jogava dois. A sala já estava com quase todos os objetos dos armários amontoados pelo chão. Não havia mais nada que pudesse ser feito para acalmar o rapaz e a professora.
O inspetor João prosseguia segurando as crianças em local seguro no corredor. O aluno Luis e a professora não cessavam de jogar objetos para cima um do outro, e foi indo, até que, esgotados, ficaram parados, um de frente para o outro, como dois bichos ferozes com olhos incontroláveis e enlouquecidos. A respiração ofegante dos dois era o único som que se podia ouvir naquele momento. E com os olhos fixos um no outro, ofegavam como dois animais numa rinha de batalha selvagem, disputando o território que só podia pertencer a apenas um deles. Quem iria vencer aquele duelo?
A cena era essa: Cadeiras, carteiras, armários, cadernos, mochilas, e etc. amontoados no meio da sala. Aquela parecia uma cena pós-guerra de filme, que é quando os guerrilheiros saem driblando os escombros para achar um lugar tranquilo para poder cair morto. Os dois rosnavam um para o outro e o inspetor vislumbrava a iminência de um ter que partir para cima do outro para ser consumada a desgraça, pois não havia mais nada que pudesse ser feito a seguir. O próximo passo poderia culminar na morte de alguém. Foi quando a professora estancou o choro, e, ainda ofegante, tomou a decisão de abrir os braços para o aluno Luis. E aquele gesto foi mais do que surpresa, ao ver o aluno Luis retribuir, e, com os braços também abertos, num abraço envolvente e sem fim, começaram a chorar e choraram demais, sem dizer uma palavra. Só choro. E choraram por longos minutos no interior daquela sala cheia de olhares lacrimosos.
O inspetor João percebeu que algo realmente diferente acontecia agora, ao ver os dois ali, professora e aluno, abraçados e chorando com soluços longos. Choros copiosos envolviam professora e aluno. Como mãe e filho, abraçados ternamente um ao outro. O inspetor parou de segurar as crianças e permiriu que todos adentrassem à sala.
O aluno Luis não parava e, acometido de grande ira, jogou outra cadeira, mas esta, agora, em direção à professora, que conseguiu desviar-se. Por um triz aquela cadeira não atingiu a professora Clarice. Luis e a professora estavam completamente transtornados um com o outro. Luís agora começou a jogar mochilas, cadernos, estojos, réguas e tudo o que via pela frente ia parar em cima da professora, que retribuia cada gesto da criança. Mas agora, ela jogava um objeto ao chão, Luis jogava dois. A sala já estava com quase todos os objetos dos armários amontoados pelo chão. Não havia mais nada que pudesse ser feito para acalmar o rapaz e a professora.
O inspetor João prosseguia segurando as crianças em local seguro no corredor. O aluno Luis e a professora não cessavam de jogar objetos para cima um do outro, e foi indo, até que, esgotados, ficaram parados, um de frente para o outro, como dois bichos ferozes com olhos incontroláveis e enlouquecidos. A respiração ofegante dos dois era o único som que se podia ouvir naquele momento. E com os olhos fixos um no outro, ofegavam como dois animais numa rinha de batalha selvagem, disputando o território que só podia pertencer a apenas um deles. Quem iria vencer aquele duelo?
A cena era essa: Cadeiras, carteiras, armários, cadernos, mochilas, e etc. amontoados no meio da sala. Aquela parecia uma cena pós-guerra de filme, que é quando os guerrilheiros saem driblando os escombros para achar um lugar tranquilo para poder cair morto. Os dois rosnavam um para o outro e o inspetor vislumbrava a iminência de um ter que partir para cima do outro para ser consumada a desgraça, pois não havia mais nada que pudesse ser feito a seguir. O próximo passo poderia culminar na morte de alguém. Foi quando a professora estancou o choro, e, ainda ofegante, tomou a decisão de abrir os braços para o aluno Luis. E aquele gesto foi mais do que surpresa, ao ver o aluno Luis retribuir, e, com os braços também abertos, num abraço envolvente e sem fim, começaram a chorar e choraram demais, sem dizer uma palavra. Só choro. E choraram por longos minutos no interior daquela sala cheia de olhares lacrimosos.
O inspetor João percebeu que algo realmente diferente acontecia agora, ao ver os dois ali, professora e aluno, abraçados e chorando com soluços longos. Choros copiosos envolviam professora e aluno. Como mãe e filho, abraçados ternamente um ao outro. O inspetor parou de segurar as crianças e permiriu que todos adentrassem à sala.
E, todos os alunos, em silêncio, começaram a entrar na sala, um a um. E foram se achegando aos dois gladiadores abraçados ao centro da sala, circulando-os. De repente, um dos alunos abraçou a professora que estava abraçada ao aluno Luis, e todos foram se achegando àquele abraço. Um enorme abraço foi sendo construído, com mais de trinta crianças, todas chorando. Um enorme abraço formou-se ao centro da sala. O inspetor, envolvido por aquele abraçaço de amor, também abraçou-se ao abraço coletivo. E, a partir daí, foram chegando outras pessoas da escola, despertadas pelo enorme barulho da guerra de cadeiras e carteiras. E foram entrando, procurando entender o que estava acontecendo por alí. A diretora Marivalda, as outras professoras, os alunos das outras salas de aula, a coordenadora Geni, e, conforme iam entrando pela sala, iam sendo absorvidos por aquele abraçaço movediço. Carteiras, mesas, cadeiras e materiais escolares despedaçados por toda a sala, mas todos choravam abraçados. Foi lindo de se ver aquela cena. Foi uma reconciliação perfeita. Exorcizaram, sem "sai capeta", todas as mágoas existentes entre alunos, professoras e as demais pessoas.
E, só após muito tempo é que começou o afastar-se do abraçaço. Agora, só professora e aluno restavam no meio da multidão que já havia se afastado. Os dois choravam e faziam juras de amor um para o outro. Tomou a palavra a coordenadora Geni, que disse com voz doce:
E, só após muito tempo é que começou o afastar-se do abraçaço. Agora, só professora e aluno restavam no meio da multidão que já havia se afastado. Os dois choravam e faziam juras de amor um para o outro. Tomou a palavra a coordenadora Geni, que disse com voz doce:
- O mundo ainda tem esperança.
"... Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar..." (Eclesiastes 3:5)
"... Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar..." (Eclesiastes 3:5)
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Texto de Álvaro Pensativo
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