"Um monstro ou um homem simples" |
EDUCAÇÃO MORAL: CONTRIBUIÇÕES
ARENDTIANAS
“A BANALIDADE DO MAL”
“Eichmann
(O monstro?) é encontrado quinze anos após o final da Segunda Guerra Mundial.
Ele era o homem mais procurado do mundo, e após ser preso e sequestrado na
Argentina, agora será julgado em Jerusalém”. Essa notícia chamou a atenção do
mundo inteiro em 1960, mas principalmente da filósofa e jornalista judia Hannah
Arendt, que, enviada por um importante jornal americano, foi ver de perto
aquele julgamento, onde percebeu que havia muitas falhas nesta “Casa da Justiça”
e algumas perguntas já começavam a pipocar em seu inconsciente: Por que não
levaram o réu para ser julgado na Alemanha, que é o seu país de origem, ou
então na Argentina, que era onde ele residia, ou até mesmo num tribunal
internacional? Israel faria Justiça a um monstro? Se for um julgamento que
todos sabem o final, então, para quê julgamento? Afinal, ele era considerado
“um monstro” em Jerusalém, sem nem mesmo saberem em que grupo de criminosos ele
se encaixava. Entretanto, ao buscar um homem frio, inescrupuloso, bárbaro,
Hannah encontrou um homem comum. Uma pessoa que trabalhava para pagar suas
contas e que no final do seu dia, voltava para casa e vivia uma vida tranquila
como bom pai, bom marido, um funcionário medíocre do inescrupuloso nazismo
alemão.
A
obra “polêmica” de Hannah Arendt colocou às claras esses “tempos sombrios” vividos
na Alemanha nazista e considerava essa “massa assassina”, como assustadoramente
normal e desprovida da capacidade de pensar. E foi isso que desagradou o povo
judeu, pois ela também denunciou certa falta de resistência e passividade judia
e alemã diante dessa tragédia que foi o Holocausto. Ela acusou a elite judaica
de ingenuidade e até mesmo de “cumplicidade” com esse terror sem precedentes e
nem procedentes. Ela disse que o povo alemão foi omisso e conivente, os
políticos do pós-guerra não puniram os funcionários da burocracia nazista que
continuaram a trabalhar em órgãos do governo. Arendt foi mal interpretada pelo
povo judaico do mundo inteiro, mas tudo ficou bem claro para nós (Grupo), que a
autora não estava de acordo com as atitudes “antissemitas” daquele réu, e
também nos fez reconhecer que ele não tinha muita opção. Ex: O atacante
Romário, na Copa do mundo de 1994, disse que o time obedecia fielmente ao
técnico Carlos Alberto Parreira, mas quando percebiam que a ordem era “burra”,
não obedeciam, e ao final de cada jogo, tudo dava certo. Tanto deu certo, que
até foram tetracampeões do mundo. Porém, no nazismo havia apenas duas opções:
Ou Karl Adolf Eichmann obedecia ao “Terceiro Reich”, que o havia designado para
o projeto a “Solução Final”, ou se colocaria na condição de “inimigo” de
Estado, e isso significaria a sua própria destruição. Daí que a justificativa
de Eichmann seria compreensível: “Ele só cumpria ordens”. E, nesse esquema
liderado por Adolf Hitler, quem se atrevesse a desobedecer, assinava a sua
própria sentença de morte, morria com um tiro na cabeça.
O
filme: “A solução final”, baseado no livro “Eichmann em Jerusalém”, de Hannah
Arendt foi considerado pelo nosso grupo, bastante esclarecedor, pois realmente,
nos fez refletir sobre este homem que todos achavam ser um “monstro”, devido ao
grau monstruoso de seus atos. Ele era o encarregado pela logística da locomoção
dos judeus para os campos de concentrações, e lá, nesses campos, os judeus
seriam exterminados em câmaras de gás e depois cremados em fornalhas feitas
especialmente para eles. Na verdade, Eichmann cumpria a sua função e fazia tudo
perfeitamente como lhe era ordenado.
Gás utilizado pelos nazistas para asfixiar a maioria dos judeus nos campos de concentração. |
Eichmann,
comprovadamente, não era um doente mental, nem um alienado ideológico, muito
menos um endemoniado. Se lhes atribuíssem uma dessas personalidades, então
poderia ser dado como teoria explicativa para o grande mal cometido por ele. No
entanto, ele agia sempre dentro da normalidade legal de seu país, e foi isso
que assustou a filósofa Hannah Arendt. Eichmann não tinha o povo judeu por
inocente sendo transportado para o matadouro, onde, na maioria das vezes
utilizavam o gás "Zyklon B" para que fosse inalado por essa massa até a morte.
Talvez, se ele recebesse uma ordem de agir conforme a sua própria vontade, os
libertariam. Posteriormente seria considerado um herói nacional, se porventura
vivesse num Estado justo. Mas ordens que lhe chegavam através de memorandos era
para que enviasse os judeus para os campos de concentração. Então ele via nos
judeus a face dos inimigos de seu país, e a ordem expressa era, “Envie-os para
o extermínio”.
Essa
é a tese central da autora com o conceito de “banalidade do mal”, pois o réu
apresentou-se como um “homem virtuoso”, era um exemplo de pessoa bem
comportada. Eichmann, segundo Arendt, “não” era um monstro. Ainda que o
resultado de suas ações fosse monstruosamente macabro, ela o denominava como
“uma pessoa normal” e a sua conclusão desagradou a muitos, pois esperavam que
ela, sendo judia, não se comportasse dessa maneira, chamando um carrasco
nazista de pessoa normal.
Segundo
Arendt, Eichmann se distinguia dos demais homens comuns porque representava o
maior exemplo de assassino em massa, porém, ao mesmo tempo, um perfeito homem
de família. A promotoria de acusação o via como “o motor” do Holocausto, Arendt
concordava com a defesa e o descrevia como um homem subalterno, transformado
num funcionário desumanizado ou mera “engrenagem” ligada à solução final da
questão judaica, nunca seria um motor. Ele agia sempre ancorado por leis e
memorandos e, sabia que poderia ser substituído por outro funcionário, que
faria a mesmíssima coisa em seu lugar, pois Eichmann estava cumprindo a sua
função no Estado ditador de Adolf Hitler, portanto queria fazer o melhor por
seu país. Sua função não era de responsabilidade intelectual onde pudesse tomar
alguma decisão. Se não a executasse é que seria responsabilizado.
Em
nossa opinião, Hannah Arendt foi muito correta em seus conceitos e em suas
conclusões, ao dizer que qualquer pessoa que quiser ser fiel cumpridora de
ordens, sejam essas ordens certas ou erradas, burras ou não, dentro de uma
ditadura totalitarista, obrigatoriamente, terá que agir de acordo com a
“banalidade do mal” que lhe for imposta.
Hannah
Arendt fez um alerta sobre a possibilidade inegável de que crimes similares
poderiam ser cometidos no futuro. Mas não é o castigo (punição) no homem que
impedirá essa provável aparição de novos holocaustos em ditaduras
totalitaristas de governos por aí a fora. Segundo Arendt, é preciso repensar a
educação moral e determinar o que é que pode motivar uma pessoa comum se tornar
uma aberração. Em seu livro “A vida do espírito”, ela desqualifica explicações
atribuídas ao perfil de um “monstro nazista”, pois em Eichmann, não foram
encontradas grandes convicções ideológicas, nem partidárias, ele não era
enfermo, nem demoníaco. Eichmann não tinha tempo, nem vontade de se instruir.
Jamais conheceu o programa do Partido Nacional Socialista e nunca leu Mein
Kampf. Eichmann declarou várias vezes que estava com a consciência tranquila,
pois cumprira o seu dever e sabia que era isso mesmo que deveria fazer. Nem
mesmo homens com sólida formação moral, como o papa Pio XII, o rabino Leo Baeck
e o ministro protestante Heinrich Gruber conseguiram compreender o verdadeiro
significado do nazismo na Alemanha.
Eichmann,
na opinião de Arendt, tinha uma ausência do pensamento com relação aos seus
maus atos. Segundo ela, essa incapacidade de pensar do indivíduo oferece às
lideranças totalitaristas, um ambiente privilegiado para o fracasso moral desse
indivíduo que, com certeza, fará tudo o que o “seu mestre” mandar. Na concepção
arendtiana, essas barbáries cometidas por Eichmann não se fundamentaram na
inveja, no ódio, na cobiça e nem mesmo na falta de conhecimento (estupidez),
mas sim na irreflexão. Essa é a hipótese central de Hannah Arendt que delineia
uma relação entre a banalidade do mal e o vazio do pensamento, e ela disse:
“Nunca um homem está mais ativo do que quando nada faz, nunca está menos só do
que quando está sozinho consigo mesmo”.
A
atividade de pensar significa rompimento com o mundo, sem trocar esse mesmo
mundo por outro melhor. A busca de um mundo mais puro ou mais profundo, como,
segundo Arendt, erroneamente indica os pregadores da tradição metafísica.
Hannah Arendt - Filósofa e jornalista |
Segundo
o autor deste artigo dado pelo professor, como objeto de nosso estudo – Marcel
Andrade, seria preciso refletir sobre valores morais mais fundamentais como:
justiça, igualdade, liberdade, solidariedade, diálogo e tolerância, ou seja,
uma educação moral deve entender a banalidade do mal e enfrentar diligentemente
a prática do mal, desfazer e denunciar as continuidades irrefletidas existentes
entre o mundo cotidiano e o mundo dos clichês, no qual, qualquer pessoa pode
assimilar com muita facilidade. Andrade revela que Arendt estava convencida de
que o mal não tem raízes, nem profundidade. O mal é como um fungo, sem raiz,
nem semente, mas espalha-se sobre uma superfície e do nada pode vir a ser
extremo com consequências incalculáveis e desastrosas e, no caso de Eichmann,
monstruosas. Daí parece claro que uma educação moral não deve se preocupar
apenas com conteúdos moralizantes a serem incluídos no currículo escolar. As
contribuições arendtianas na educação moral deve, sobretudo, apostar, sem
garantias ou surpresas, no pensamento enquanto exercício de descontinuidade com
o cotidiano e significação de um mundo onde aparecer é a condição básica para
garantir a sua própria existência. Somos alguém, porque aparecemos dentro da
perspectiva e sentidos dos outros. E nesse sentido, Sócrates é apresentado como
o recorrente modelo de filósofo, pois soube manter-se nesse diálogo: “A
possibilidade de se expor ao vento do pensamento e desarrumar nossas pequenas
certezas para abrir outras possibilidades, apesar dos riscos evidentes”.
Sócrates conseguiu unir o agir e o pensar, mantendo a experiência e a
intimidade necessária para entender que o pensar é um distanciamento do mundo e
uma reaproximação sempre renovada para entendê-lo, para que haja a possibilidade
de favorecer um ambiente que desenvolva a incapacidade de fazer o mal e, assim,
criar um ambiente propício para a educação moral. Educar é ressignificar o
mundo em que habitamos, valorizando a atividade de pensar, privilegiando o
pensamento e não apenas a fala, a leitura e o trabalho de grupo. Deve-se
instigar o educando para que ele tenha o diálogo consigo mesmo, destacando uma
reflexão pessoal, interna e desinteressada, mas capaz de dar significados ao
mundo que habitamos.
É
preciso criar um ambiente desfavorável para essa terrível “banalidade do mal”,
pois, desta forma nos protegemos das intolerâncias preconceituosas e assassinas
de ideologias de ditaduras totalitaristas.
Que sejamos capazes de formar mais pessoas como Sócrates do que como Eichmann
e educar os nossos filhos para que absorvam muito mais os pensamentos no campo
das possibilidades do que das certezas. Ideologia, se o povo pensar, acaba!
Ditaduras nunca mais...
“Quando
o governo é justo, o país tem segurança”. (Provérbios 29:4)
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*Trabalho de Aproveitamento das disciplinas: “ATPA e SEMINÁRIOS TEMÁTICOS” - Exigido pelo Prof.º Ms. Edson Antônio Ortiz de Camargo. Entregue pelo Grupo *Os 7 Monstrinhos.
Escrito em 01/11/2014
Texto de Álvaro João dos Santos
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